A Câmara Municipal de Salvador instalou a Comissão de Direitos Humanos e Defesa da Democracia Makota Valdina, em ato virtual, na tarde da quinta-feira (18), cujo tema foi a tentativa do governo federal de retirar a participação popular da atualização do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3), diminuindo as estratégias de políticas públicas que combatem especialmente o racismo, a misoginia, a LGBTQIA+fobia, as desigualdades sociais e os ataques contra povos indígenas e comunidades tradicionais.
A Comissão de Direitos Humanos tem como presidente a vereadora Marta Rodrigues (PT); vice, o vereadore Geraldo Júnior (MDB), presidente da Câmara, e integrantes as vereadoras Ireuda Silva (Republicanos), Maria Marighella (PT) e os vereadores Luis Carlos Suíca (PT), Silvio Humberto (PSB), Carballal (PDT), Fábio Souza (SD) e Palhinha (DEM).
O evento teve a presença de entidades da sociedade civil, movimentos sociais, secretarias, parlamentares estaduais, federais e municipais, entre eles o ex-senador e atual vereador Eduardo Suplicy (PT), a vereadora Dandara Tonatizin do PT de Minas Gerais, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), os presidentes das comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara Federal, o senador Humberto Costa (PT-PE) e o deputado federal Carlos Veras (PT) respectivamente.
A sessão de instalação contou com uma palestra da procuradora da República, Deborah Duprat, sobre o histórico de construção do PNDH e sua relevância para o país, principalmente neste momento de crise humanitária e social acentuadas com a pandemia que já matou quase 300 mil pessoas. A sessão foi mediada pela vereadora Marta Rodrigues (PT), conduzida à presidência da Comissão, tendo a mesa o presidente do legislativo municipal e vice-presidente do colegiado, vereador Geraldo Junior, a Ya Márcia de Ogum e a ativista Celia Tupinambá. “Momento especial para a cidade de Salvador, a capital mais negra do país, ter uma instalação com tanta representatividade na luta por democracia e pelos direitos humanos”, disse Marta. “Tenho certeza que o compromisso de todos na Comissão independe de ideologias e será de fazer o melhor pela nossa cidade,combatendo as desigualdades”, frisou Geraldo.
Em sua palestra, Deborah Duprat, referência na luta por direitos humanos há 32 anos, ressaltou que o PNHD é fruto da grande mobilização em torno das garantias de direitos humanos que já ocorria desde a ditadura. O Plano, explica Duprah, é um conjunto de políticas públicas que desde 2003 serve como instrumento norteador das melhorias da vida dos cidadãos, com o enfrentamento às desigualdades sociais, a pobreza e à violência, tendo sido recomendado pela ONU para ser elaborado por estados e nações com a participação popular.
“A luta pelos direitos humanos em geral já estava acontecendo desde a ditadura, e esta mobilização resulta na Constituição Federal de 1988, que incorpora aos governos democráticos dispositivos para que políticas públicas sejam construídas ao lado dos movimentos e da sociedade civil. O que ocorre é que agora, com uma portaria, querem retirar essa participação com a desculpa de rever a política, mas quem avalia essas alterações é a própria sociedade civil, pois o Plano é construção coletiva que incorpora centenas de conferências municipais, estaduais e nacionais”, explicitou.
O debate transversalizou por diversas questões, entre elas a urgência da vacina, a implementação de uma renda básica de cidadania e o fortalecimento do combate aos ataques antidemocráticos do governo federal contra a pluralidade, diversidade social, cultural e religiosa no Brasil.
População indígena teme ação de grileiros
Ativista e professora, Celia Tupinambá explanou o temor da população indígena com as próprias vidas perante as invasões de terras por grileiros e o decreto presidencial que aumentou o porte de armas. “Nós povos indígenas, e pessoas que estão nos campos, somos os mais afetados por este decreto, convivemos diariamente com ataques e invasões com o armamento em massa para espaços privados, para agricultura privada, grilagens. O povo Tupinambá está em luta, mas esta luta é da humanidade”, disse.
Para o presidente da Comissão de DH do Senado, Humberto Costa, é preciso que mais cidades deem o exemplo de Salvador, com a criação de mecanismos nos parlamentos pelas garantias constitucionais e pela democracia. “Estamos vivendo um momento trágico onde o governo federal sabota todas as medidas para combater a pandemia no Brasil. Estamos fazendo atos virtuais e de portas abertas para compartilharmos demandas e trabalharmos juntos, como comissões, por um país mais justo e democrático”. Na ocasião, o senador citou a tentativa de enquadramento pela Controladoria Geral da União contra pessoas que manifestaram suas opiniões nas salas de aula. “Manifestar opinião é algo inseparável do papel da universidade e do papel de ensinar”, acrescentou.
Já o presidente do colegiado de DH da Câmara Federal, Carlos Veras, pontuou o recrudescimento durante a pandemia da violência contra a mulher, contra as comunidades tradicionais e contra à população LGBTQIA. Segundo Veras, o papel da Comissão junto com os atores da sociedade civil é de propor, mas combater, dentro do legislativo, pautas que aprofundam as desigualdades e os direitos básicos, como a Emenda Constitucional 186. “Uma emenda que retira dinheiro das políticas públicas como educação e saúde e constitucionaliza um teto máximo do auxílio emergencial. O que precisamos é debater e aprovar projetos que garantam os recursos”, afirmou. Ambos os presidentes reafirmaram que as comissões estão à disposição para trabalhar aliadas ao colegiado do legislativo soteropolitano.
A ialorixá Ya Márcia de Ogum iniciou seu discurso agradecendo aos orixás e a sua ancestralidade no nome de Makota Valdina, líder religiosa da Bahia reconhecida pelo combate ao racismo religioso. Com trabalhos sociais desenvolvidos no combate em comunidades de Salvador, ela ressaltou a necessidade de união para amenizar as mazelas da pandemia. “Saúdo meus orixás e o Baba Exu, grande comunicador para que coloque as palavras certas em nossa boca, para nos comunicarmos bem, e Ogum, nosso primeiro tecnólogo, que graças a dele estamos juntos nessa tela apesar de lugares diferentes. No reino do pai Xangô é na alegria, mas principalmente na luta que a gente busca a justiça tão sonhada”.
Ex-senador pelo PT e vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy destacou que o momento é de colocar em prática “os instrumentos de políticas econômicas que signifiquem a realização da justiça”. Ele se referenciou no livro de Papa Francisco, “Vamos Sonhar Juntos”. “Pensar uma renda básica universal, um pagamento fixo constitucional a todos cidadãos que poderá ser distribuído através do tema no debate tributário. Precisamos da justiça política precedida da justiça tributiva, que infelizmente, torna os iguais em desiguais”, destacou.
Integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, a deputada Erika Kokay disse que o Brasil vive uma política da morte. “Como militante eu digo ‘vá em frente, mulher, mulher negra, para que possamos libertar todos os tambores e mostrar todas as pontas, a resistência desse povo brasileiro. O tambor a gente não cala, as contas a gente não esconde, as vozes a gente não silencia e nossos corpos estarão sempre em movimento. Nosso projeto é político e afetivo, como diz Cora Coralina a gente arranca pedra, colhe roseiras e faz doce”.
A representatividade foi um dos destaques do evento
Participaram o presidente municipal do PT, Ademário Costa; Diva Santana, do Grupo Tortura Nunca Mais, e o ministro Benedito Gonçalves, da Comissão de Juristas Negros Contra o Racismo, dos reitores Carlos Sales, da UFBA e José Bites da UNEB.
O ato de instalação teve ainda a presença do presidente da Comissão de DH da AL-BA, deputado Jacó (PT-BA); as deputadas estaduais Olívia Santana (PCdoB-BA) e Maria Del Carmen (PT-BA), a vereadora Dandara Tonatizin, do município de Uberlandia (PT-MG), a vereadora Carla Ayres, de Floripa; a deputada estadual de Minas Gerais, Andrea de Jesus (PSOL); o defensor público geral da Bahia, Rafson Ximenes; a secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, Fabya Reis; a secretária de Políticas para as Mulheres, Julieta Palmeira, além de representações da Defensoria Pública da União (DPU); conselheiros tutelares; o superintendente da SJDHS, Jones Carvalho; o diretor da Faculdade de Direito da Ufba, Júlio Rocha; o IFba Baiano; a secretária de Mulheres do PT-Salvador, Ana Carolina; e a presidente da 18ª zonal, Valmiria.
Entre os setores da sociedade civil, marcaram presença diversas entidades das religiões de matriz africana; a presidente da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da Bahia da OAB-BA, Dandara Pinho; a Central Única dos Trabalhadores (CUT); a Central Unica das Favelas (CUFA); a Fundação Perseu Abramo; Coletivo de Entidades Negras (CEN), o Grupo Renfa; Papo de Mulher; Movimentos de Moradia; Movimento Nacional de População em Situação de Rua; Rede de Biblioteca Comunitárias; o Patronato de Presos e Egressos; Instituto de Arquitetos da Bahia (IAB); Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN); União Brasileira de Mulheres; Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen-BA); Coletivo Policiais Antifascismo; Iniciativa Negra sobre Drogas; ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos; Clínica de Direitos Humanos da UFBa, Movimento dos Atingidos por Barragem; Associação Manuel Faustino, CEDECA; Desencarcera Bahia; Coletivo Mulheres de Todas as Lutas; ASA e Cáritas; Núcleo de apoio a Migrantes e Refugiados da UFBA; Comissão de Direito Internacional do IAB-BA. Também estão na lista: oTerreiro do Cobre; Felipe Estrela da AATR, Valdirene Assis, procuradora Federal do Trabalho (MPT), Felipe Colavope (Anacrim), Vinicius Assunção (IBCCrim); e a dirigente estadual do MPA, Eulalia Santos.