No inicio do mês de maio, um grupo de 39 indígenas warao chegou, na condição de migrantes, à cidade de Itabuna, no sul da Bahia. Entre eles estava uma grávida, que logo foi encaminhada para um hospital, onde deu à luz, aumentando o contingente de crianças, maioria no grupo.
Os warao são um grupo étnico quase todo habitante do delta do rio Orenoco, na Venezuela. Em 2019, segundo estimativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), havia cerca de 50 mil deles computados em situação de trânsito, migração e/ou refúgio. Na tentativa de se preservarem da exposição, os warao costumam ser avessos a dar informações com detalhes – só os caciques falam – e a se deixarem fotografar de perto, segundo informou a professora Mariângela Nascimento, do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados (Namir) da UFBA, programa ligado à Pró-reitoria de Extensão (Proext).
A chegada do grupo warao a Itabuna motivou a primeira atuação da Rede Universitária de Pesquisas e Estudos Migratórios (Rupem), recentemente criada para promover a inserção social da população migrante vinda para o Estado. A professora Maria Luiza Santos, da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), integrante da rede, intermediou o contato do grupo com a prefeitura, através da Secretaria de Combate à Fome, que os acolheu em uma escola e forneceu alimentos.
Depois, a Rupem realizou encontros com as autoridades municipais e a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado e a Polícia Federal, além da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), outra parceira da rede. Foram tomadas então iniciativas emergenciais, como arrecadação de alimentos e contatos com grupos indígenas locais que pudessem ajudar na mediação. O Conselho Tutelar foi acionado para verificar a situação dos menores. Aceito o suporte emergencial, o grupo partiu para outras cidades e hoje provavelmente encontra-se em Guarapari, no Espírito Santo, depois de terem passado por Teixeira de Freitas (BA) e Belo Horizonte (MG). Os warao são muitos no Brasil; alguns se fixam, mas a maioria é nômade.
Como funciona
A passagem desse grupo de indígenas em plena pandemia por Itabuna serve de exemplo de como vai funcionar a Rupem, ao menos no primeiro contato – de suporte emergencial – com os migrantes. Para a professora Mariângela, as universidades federais e estaduais da Bahia, fazendo valer seus compromissos de instituições difusoras dos direitos humanos e de políticas transformadoras da realidade social, estão se organizando em rede para acolher essas populações socialmente vulneráveis, como já fazem algumas organizações sociais e outras instituições religiosas.
“Trata-se de uma rede com o propósito programático, preliminar e experimental, de mapeamento, diagnóstico, coleta e análise de dados”, explica a professora, que acrescenta: “Faz parte dos objetivos da Rupem a capacitação de agentes públicos e ativistas das organizações sociais, bem como a parceria com o poder público municipal com o propósito de promover o acesso da população migrante aos bens públicos, de saúde, educação, moradia e segurança e propor projetos de leis visando ao amparo legal do acolhimento humanitário.”
Também são propostas da Rupem viabilizar a parceria com o setor privado local, empresas, instituições e comércio, visando à empregabilidade dos migrantes e refugiados. O objetivo é sensibilizar empresas em relação à contratação de migrantes e refugiados/as que chegam nos municípios. “Para isso, informa ainda Mariângela, serão realizadas várias sessões de coaching, workshops de direitos, oficinas de currículos, oficinas de português e educação financeira e encaminhamentos para entrevistas de emprego.”
Hoje, a Rupem já conta com a participação da UFBA, das federais do Sul da Bahia (UFSB), Recôncavo da Bahia (UFRB) e da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB); e das estaduais de Santa Cruz (UESC), do Estado da Bahia (UNEB), de Feira de Santana (UEFS), Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e do Sudoeste da Bahia (UESB).
Realidade migratória
A Bahia concentra, atualmente, a maior parte dos imigrantes internacionais registrados que chegaram ao Nordeste brasileiro entre 2000 e 2020. O Nordeste é a região com a terceira maior concentração de fluxo migratório e, nos últimos dois anos, tem atraído muitos migrantes e refugiados vindos da Venezuela, de Cuba e de países africanos.
No Nordeste, a Bahia concentra a maior parte dos imigrantes internacionais, com 36.204 registros entre 2000 e 2017. Esses dados são do Sistema Nacional de Cadastros e Registros (Sincre) da Polícia Federal, não abrangendo imigrantes não registrados ou mesmo aqueles que foram registrados em outros estados e depois migraram para a Bahia.
Com um fluxo crescente de imigrantes, algumas instituições sociais e órgãos públicos têm procurado alternativas de acolhimento humanitário, principalmente no processo de inserção dessa força de trabalho em ocupações dignas e no combate ao trabalho em situação de escravidão. São iniciativas promotoras da inclusão em programas e projetos que visam à integração sócio produtiva, à garantia de documentação civil e trabalhista, a ofertas de cursos de qualificação social e profissional adaptados à realidade local, além da fiscalização e combate ao trabalho em situação de escravidão.
Agenda
A Rupem vai dar início no mês de junho ao projeto Diálogos Afetivos, encontros com pessoas migrantes e refugiados para ouvir suas falas, suas histórias, a fim de identificar as dificuldades que enfrentam. Conhecendo e identificando esses problemas, será possível buscar soluções e promover a inserção social da população migrante no Estado. Também estão sendo articulados encontros com as secretarias do Estado e prefeituras municipais, com o propósito de atuar em parcerias e oferecer cursos de capacitação em direitos humanos e migração.
Nos dias 08 e 09 de julho, o Namir realizará o evento Migração, Direitos e Saúde, com a participação de psicólogos e de psiquiatras dedicados à questão migratória no Brasil. Para contato o e-mail é o dh.namir@ufba.br.
*A reportagem contou com a colaboração da professora Mariângela Nascimento, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Namir.