Eric Fassin, que foi nosso palestrante, dá entrevista ao O Globo
Publicado em 25 de agosto de 2014
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Fracasso do governo Hollande dilapidou imagem do Partido Socialista, que discute ‘refundação’

Esquerda francesa está em crise e teme o seu fim

POR FERNANDO EICHENBERG, CORRESPONDENTE

24/08/2014 7:00 / ATUALIZADO 


Desilusão. O premier Manuel Valls (à esquerda) e o presidente François Hollande: hoje, socialistas estariam fora de um hipotético segundo turno nas próximas eleições presidenciais - ALAIN JOCARD / AFP

PARIS — Em 2017, a direita vencerá as eleições presidenciais na França após a eliminação no primeiro turno do candidato do Partido Socialista (PS), o então primeiro-ministro Manuel Valls, na disputa com Marine Le Pen, da extrema-direita da Frente Nacional (FN). O novo governo contará com nomes da direita radical em seu ministério. Em seu pronunciamento na TV, o recém-eleito presidente da República explicará que esta decisão foi uma “escolha democrática e republicana” face ao dever de ouvir a voz dos eleitores de Marine Le Pen. O presidente deposto, François Hollande, havia invocado razões pessoais para antecipar sua aposentadoria política e não concorrer à reeleição. Reunido em conselho nacional, o PS se interrogará: como explicar a derrota?

A previsão acima encerra o ensaio “Esquerda: o futuro de uma desilusão” (ed. Textuel), do sociólogo Éric Fassin, professor de Ciências Políticas da Universidade Paris 8. Formulada como uma “fábula”, como enfatiza o autor, a profecia assombra socialistas em noites insones. Mesmo que ainda faltem dois anos e meio para o pleito que definirá o inquilino do Palácio do Eliseu no próximo mandato, as pesquisas de opinião apontam hoje a exclusão do atual presidente do segundo turno, se fosse o candidato definido pelo partido. Com crescimento econômico nulo, desemprego em constante alta e índice de popularidade em queda, o balanço do governo Hollande até agora não favorece cenários eleitorais otimistas. Mas além do receio do veredicto das urnas — já negativo nos recentes pleitos municipal e europeu —, o PS entrou em crise existencial e de identidade, deitou no divã, e vem sendo acusado de afundar a esquerda no país.

Em junho passado, o próprio premier Manuel Valls acusou o golpe e alertou aos socialistas: “A esquerda pode morrer”.

— Ela (a esquerda), nunca esteve tão fraca na história da 5ª República (fundada pela Constituição de 1958). Sentimos bem que chegamos ao final de alguma coisas, ao final talvez mesmo de um ciclo histórico para o nosso partido — desabafou na reunião fechada do conselho nacional do PS.

Eleito sob o slogan de “presidente da mudança”, Hollande viu o PS perder cerca de 25 mil militantes em seus dois anos de governo. No mesmo encontro partidário, Valls não descartou vaticínios pessimistas:

— Nosso país pode se desmanchar e se entregar a Marine Le Pen. Sim, podemos cair numa nova era, na qual o risco de ver Marine Le Pen no segundo turno existe.

ideias de direita

Éric Fassin aponta uma “direitização” do PS, uma renúncia ideológica mais do que um fracasso político:

— No começo deste ano, François Hollande reinvindicou ser “social-democrata”. A mídia saudou esta declaração como um verdadeiro “coming out”. Mas sua política nada tem a ver com a social-democracia, que supõe a busca de um equilíbrio entre trabalho e capital. Ora, o presidente propõe no mesmo momento um “Pacto de Responsabilidade”, que é um presente para o patronato sem contrapartida para os trabalhadores. Ele foi eleito declarando: “Meu inimigo é a finança”. Uma vez no poder, se quer “o amigo dos patrões”. Longe de “assumir” a social-democracia, ele a reivindica para melhor enterrá-la.

O deputado franco-brasileiro Eduardo Cypel, nome em ascensão no PS, tem se multiplicado em programas de TV, de rádio e em artigos em jornais e revistas para explicar a crise socialista e não deixar o eleitorado do partido em desespero. O parlamentar minimiza a desfiliação de militantes, ao defini-la como um fenômeno natural e conjuntural. E desqualifica como “briguinha de palavras” o atual debate em torno de nomenclaturas ideológicas.

— Há muito tempo o PS é um partido social-democrático, que aceita a economia de mercado, mas que acredita que ela deve ser regulada — defende. — Acho tudo isto muito estéril. Temos de produzir palavras e definições novas para sair deste jogo de “social-democracia”, um termo que já está desgastado, associado à experiência da esquerda anglo-saxã, de Tony Blair, que ganhou uma conotação liberal.

Para Cypel, são necessárias uma “refundação” do PS e uma “reforma” do atual modelo francês, num novo modo de crescimento econômico, mas sem “liberalizar tudo como quer a direita”, ressalva. A primeira etapa será deflagrada no próximo fim de semana, durante o tradicional encontro do partido no final do verão europeu, na cidade de La Rochelle. A reunião deverá estabelecer as regras para a convocação dos Estados Gerais do PS, um processo amplo e aberto de discussão.

— A esquerda não está morta, mas o PS pode morrer. A esquerda pode sumir do eixo central da política francesa se perdermos a credibilidade a longo prazo. Precisamos redefinir a identidade do PS e o nosso projeto. Este processo deverá ser concluído até dezembro. Teremos uns três meses para rediscutir nossa doutrina. No ano que vem haverá um congresso, e um texto final deverá ser votado pelos militantes e o conselho nacional — explica.

renzi, a nova esperança

Éric Fassin só vê alguma saída para o PS se for estancada a tendência crescente de imita” a direita e não se deixar submeter ao realismo, mas propor alternativas. Do contrário, a extrema-direita será fortalecida. Na França, a fragilidade do PS não favoreceu a esquerda radical, como ocorreu na Grécia, por exemplo. Para o sociólogo, uma das explicações é sócio-econômica:

— Os planos de austeridade são mais radicais na Grécia. Na França, uma parte da população permanece relativamente protegida. Os gregos não têm mais nada a perder; os franceses ainda acreditam poder salvar alguns privilégios, e temem ainda mais o questionamento de velhos hábitos.

A decepção Hollande como modelo na esquerda europeia foi substituída pela esperança no primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, líder do Partido Democrático (PD). Fassin, no entanto, se mostra igualmente cético com esta hipótese:

— É sempre a mesma história: de Blair a Zapatero (José Luis, ex-líder socialista espanhol) fizeram acreditar que o futuro é uma “esquerda moderna”, ou seja, além da “look” juvenil, políticos que consideram que a oposição entre direita e esquerda está ultrapassada. Com Renzi é a mesma coisa. Enquanto se acreditar salvar a esquerda renunciando a ser de esquerda se fará o jogo da “direitização”, condenando a esquerda ao fracasso.

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